sexta-feira, 8 de abril de 2011

Tragédias nos fazem refletir...




Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi
DA difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo
Japonês: kokoro.
Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.
Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de is mesmas
, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do
grupo, das outras pessoas,DA natureza ilimitada?
Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de
suportar dificuldades e superá-Las.
Assim, OS eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam
o mundo de duas maneiras.
A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos
perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima.
A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de
todas as vítimas. Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma
piscina para OS banheiros. Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte
americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam
cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens.
Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra,
não corriam e gritavam,mas se mantinham no espaço que a família havia
reservado.
Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando
de remédios perdidos- mas esperaram sua vez também para receber água,
usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés
singelos, com pouquíssima água. Compartilharam também do resfriado, DA
falta de água para higiene pessoal e coletiva, DA fome, DA tristeza, DA dor,
das perdas de verduras, leite, DA morte.
Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques.
Houve a resignaçãoDA tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam.
Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no
kokoro: coração de gratidão. Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe,
sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam
desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar,
desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela
minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação
que estamos causando ao mundo.
Sumimasem.
Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus
sentimentos, necessidades. Quando cuidamos DA vida como um todo,
somos cuidadas e respeitadas. O inverso não é verdadeiro: se pensar
primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada
uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a
atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade,
sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas,
vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e
delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que
serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que
os levariam a hospitais. Análise DA situação por especialistas, informações
incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem
estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.
Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas.
Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções
que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa
viagem em Julho próximo.
Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos
anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído
em um instante e reconstruído novamente.
Reafirmando a Lei DA Causalidade podemos perceber como tudo está
interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar
a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície,
na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver
com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos.
O que podemos fazer é cuidar DA pequena camada produtiva, DA água, do
solo e do AR que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.
Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a
paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à
reconstrução.
Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de
respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam
os eventos que se seguiram a 11 de março.
Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em
testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e
respeitar.
Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram.
E só posso dizer : todas: Todas eram e são pessoas de meu conhecimento.
Com elas aprendi a orar,a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar
meus ancestrais e a linhagem de Budas.
Mãos em prece (gassho)
Monja Coen